AVÓS DA SAUDADE / ALZERINA PINHO
- Raimundo Colares Ribeiro
- há 4 dias
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LIVROS & ESCRITORES
“Você gosta mais do papai ou da mamãe? Nos meus cinco aninhos de vida era difícil entender a questão, impossível encontrar-lhe uma resposta. Papai e mamãe pareciam o complemento um do outro; como separá-lo, vê-los divididos? Escolher um quando ambos formavam aquele que só indivisível cabia no meu tenro entendimento? A Dadá (era assim que chamávamos nossa avó materna e, por conseguinte, o vovô era o Dodô) sorria-me, pequena sem resposta, ralhando de carinho com o Dodô para que não me perturbasse.
Eu não precisava escolher. Podia gostar e ter o papai e a mamãe, a Dadá e o Dodô. Podia ter mais, muito mais... Podia ter o canto do passarinho sobrevoando as folhas da amendoeira no terraço; a calçada alta e seus batentes que me pareciam tão imensas à época; podia ter a casa com fachada de cor amarela, com portas e janelas enormes; a mercearia, o armazém, o quintal... Ah, o quintal da minha infância! As sombras das árvores frutíferas guardando a casinha de bonecas e seus sonhos de futuro. Os grãos de areia sob os pés e a certeza de poder correr (talvez voar) e, ao entrar na casa grande, encontrar os olhares de ternos e eternos amores, os braços abertos no abraço mais cálido, a oferenda das frutas, guloseimas e alegrias distribuídas farta e gratuitamente, brindadas com a preciosa ternura da Dadá. Podia ter o colo do Dodó, sereno, amoroso, a embalar-se na cadeira rente à porta que unia sala e mercearia, onde sempre o encontrava ao chegar para a visita diária que fazia a sua casa, à casa grande com espaços para brincar e sonhar, para rir e acreditar, encantar e ser feliz. A foto sobre o armário da sala guarda, imortalizada, a expressão do rosto e do olhar de cada um. A mente, poderosa e magnífica, guarda e imortaliza os gestos, o som dos risos, os afagos, carinhos tantos que encheram de vida a minha vida de criança. É dia de finados e caminho para o cemitério, vou reverenciar meus mortos. Conheço há muito essa rua por onde passo; caminhei outrora por ela, rica de alegria ao encontro da Dadá, ao abraço do Dodô. Muitos anos depois, olho o espaço onde estava encravada a casa grande com fachada amarela, duas amendoeiras e dois banquinhos de madeira... nada existe mais. O chão batido substituiu as árvores frondosas e as sombras do quintal... Já não há quintal. Não há casa grande onde eu possa entrar e encontrar o riso e o encanto de outrora. – Dodô! – Dadá! – Para onde foram? Onde estão a bênção, o afago, a alegria? Onde estão as árvores, as sombras, o quintal da minha infância? Onde estou eu, menina pequena, criança querida? Para onde fomos todos nós? Sigo a multidão que leva velas, flores, coroas ao túmulo de entes queridos. Partilho o silêncio e a oração e levo comigo, contido na garganta, o grito que não dei, o grito que calei ante a visão do vazio que hoje existe no lugar da casa grande. Levo a dor de ter sido vencida pelo tempo que um dia tira de nós os avós, os sonhos, a infância querida. Levo a saudade dos anos vividos, já longe, bem distante, nos abraços amorosos, nos sonhos generosos, na alegria, na grandeza de ter sido pequenina, de ter conhecido a exata dimensão do puro amor, naquelas sombras que o tempo apagou... no quintal, na casa, nos corações que a vida calou.
Maria Alzerina Pinho Vanderley é maranhense, natural de Caxias e mora em Teresina desde 1980, quando veio estudar na UFPI, e escolheu ficar, laborar, casar, criar seus filhos e abraçar novos amigos.
Gestora de instituição financeira pública aposentada, assistente social de formação e advogada, Alzerina Pinho se encontrou mesmo foi na escrita. Tem textos publicados em revistas e sites de literatura. É autora de três livros de Poesia: Do começo ao recomeço (2017), Entre o voo e o pouso (2019) e O que a Poesia faz com a dor (2022). É coautora de 23 Coletâneas e Antologias, sendo organizadora de duas delas: O Poder das Letras (2018) e Antologia Poética Feminina FLORESCER (2024). É escritora e poeta premiada. Vencedora de vários certames, foi eleita entre os Melhores do Ano de Teresina 2023, na categoria Melhor Poeta (2024, PI). É membro da Academia Caxiense de Letras; da Sociedade Piauiense de Poesia; e da Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil. Reminiscências em palco de esperança imorredoura é o quarto livro solo da autora e reafirma o estilo poético presente em suas produções, quer em verso, quer em prosa.
BIBLIOTECA RAIMUNDO COLARES RIBEIRO
Transcrito do livro “reminiscências em palco de esperança imorredoura”, Alzerina Pinho, 2024. Páginas 27/29.
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