LIVROS & ESCRITORES
RENÚNCIA
Para Esther
Era como se Amália Rodriguez estivesse na sua biblioteca. Ele deitado no chão segurando um livro perto dos olhos, um guardanapo marcando a página onde pararam. Eles perceberam exatamente que a partir desse momento a separação estava próxima. Amália Rodriguez canta com muita profundidade palavras de mar. Mesmo sem ligar o CD player, ele escuta a canção. Palavra por palavra, nota por nota. Cada vez que a portuguesa eleva a voz em uma nova frase, a melodia corta sua espinha, passa por todo o corpo e deixa esse momento ainda mais especial. Fecha os olhos para sentir a voz da cantora. Nesse dia, eles haviam recém-chegado em Lisboa e já foram para a Torre de Belém. Precisavam conhecer de onde partiam os navios em direção ao novo mundo, onde ficavam as mil lágrimas derramadas pelas mulheres dos marinheiros que iam para nunca mais voltar: conhecer o sal que são lágrimas de Portugal. Torre de Belém, perto dos pastéis que formavam uma fila interminável cheia de turistas querendo um pedacinho desse mar salgado. Os dois caminharam lentamente por aquelas ruas estreitas, cheirando a bondinhos que ainda deslizam pelos últimos trilhos do século passado. Quando passavam por alguma porta aberta, eram golpeados pela melodia de um fado qualquer. Uma senhora com os braços apoiando o rosto, sorrindo, esperando por alguém pela janela, cumprimenta-os com um bom dia cheio de sotaque. As ruas próximas à Torre de Belém são plenas de memórias. Os dois andam abraçados pelos arredores do parque onde fica o monumento e escutam novamente alguém cantando. Deitam-se na grama e olham para o céu de Lisboa, assim como ele faz agora deitado no chão de sua biblioteca, ouvindo Amália Rodriguez. (...)
BIBLIOTECA RAIMUNDO COLARES RIBEIRO
Transcrito da coletânea PRÊMIO OFF FLIP DE LITERATURA, Selo Off Flip Editora, Paraty (RJ), 2019, páginas 111 e 112.
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