LIVROS & ESCRITORES

Garotos que gostam de música se aproximam, ainda mais se frequentam o mesmo colégio. Sentam para conversar, tomar uma cerveja, tirar uma melodia, trocar ideia sobre uma composição... como aconteceu entre Claudio Nucci e Mú na década de 1970. Alunos do Colégio Rio de Janeiro, na Zona Sul da cidade, eles se encontraram em uma das tantas vezes no apartamento de Lozinha (Heloisa Carvalho, irmã do Mú) e fizeram uma canção muito bonita, mas sem letra. Estavam apenas brincando de criar melodias e, quando viram, já estava pronta.
Entregaram a música nas mãos de Paulinho Tapajós, que namorava Lozinha, para que ele, então, pudesse terminar o trabalho. No entanto, a canção não saiu de uma hora para a outra. E a inspiração só veio no dia em que Paulinho recebeu a notícia da morte de sua vó. Para manter a cabeça ocupada, ele se refugiou no quarto de Mú, colocou a fita para tocar e deixou as palavras surgirem. Sem deixar muito o lado racional falar. E assim foram aparecendo as rimas “flores de maio azuis / e os seus cabelos...”, “não sou mais veloz / como os heróis...”, palavras como “cowboy”, “por do sol” e “estrelas”. O compositor estava aberto para o som e seus sentimentos. A letra, simplesmente, foi vindo... Da maneira mais espontânea e verdadeira de um poeta.
Analisando depois o que havia feito, Paulinho conseguia enxergar referências como a música “Sapato mole”, do seu irmão Maurício Tapajós, com Paulo César Pinheiro e Mauro Duarte. A palavra “sapato” poderia ter vindo daí, vai saber! Apesar de que um tema não tinha nada a ver com o outro. Enfim, ele não tinha certeza de nada. A música veio de uma vez só, se fazendo naqueles acordes, sem precisar de correção posterior. Nasceu daquele seu momento solitário e íntimo. Talvez seja por isso que ele veja essa canção com tanto carinho até hoje.
Sua primeira gravação foi em 1978, no álbum Querelas do Brasil, do Quarteto em Cy, grupo do qual fazia parte Dorinha Tapajós, irmã de Paulinho Tapajós. Não foi a música de trabalho, nem rodou nas rádios, se tornando uma daquelas faixas do lado B, C de um artista. Pouca gente conhecia. Até o dia em que Mariozinho Rocha pinçou de seu arquivo musical: “Sapato velho”.
Mariozinho frequentava a casa de Haroldo, pai de Mú e Lozinha, antes mesmo de assumir a direção artística da Polygram. Ele conhecia o pessoal todo e também as composições que saíam de lá, e percebeu em “Sapato velho” uma bela jogada para o repertório do Roupa Nova.
O produtor queria posicionar o Roupa entre os outros grupos com som jovem, de canções melódicas, originais e com vocais mais apurados, como A Cor do Som, 14 Bis e o Boca Livre. E aquela composição de Mú – de A Cor do Som – e Cláudio – do Boca Livre – poderia dar esse tom. “Essa música é muito benfeita, mas acho que pode ficar melhor ainda com o Roupa! Eles vão saber dar uma revitalizada nesse negócio. A letra é boa, a harmonia... Vou separar.”
A Cor do Som, 14 Bis e Boca Livre eram grupos muito bem posicionados. Mariozinho acreditava que a versão do Roupa Nova serviria para mostrar sua identidade dentro desse universo. O próprio Paulinho Tapajós chegou a comentar que o Roupa Nova caiu bem com o “Sapato velho”. Ele brincou: “Tinha que ser sapato novo!” A leitura do grupo ficou forte, e o arranjo dos instrumentos com as vozes, extremamente marcante. Aquele seria o segundo sucesso do álbum de 1981 e o xodó dos seis integrantes. “Você lembra, lembra...” Uma música que, antes de tudo, veio para situar o Roupa Nova no mercado.
BIBLIOTECA RAIMUNDO COLARES RIBEIRO
Transcrito do livro TUDO DE NOVO: DOS BAILES PARA A HISTÓRIA DA MÚSICA BRASILEIRA, de Vanessa Oliveira, Editora Best Seller, Rio de Janeiro, 2013, páginas 240 e 241.
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