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O Ministério da Verdade controlava, dizia-se, três mil salas acima do nível do chão e as respectivas galerias abaixo. Espalhados por Londres havia três outros edifícios de aparência e tamanho parecidos que praticamente apagavam as construções ao redor. Do topo das Mansões Vitória podia-se enxergar os quatro ao mesmo tempo; eram as sedes dos quatro ministérios entre os quais se dividia o aparato completo do governo: o Ministério da Verdade, que se ocupava de notícias, diversão, educação e artes; o Ministério da Paz, que se ocupava da guerra; o Ministério do Amor, que mantinha a lei e a ordem; e o Ministério da Fartura, que era responsável pelos assuntos econômicos. Seus nomes, em Novidioma: Miniver, Minipaz, Miniamor, Ninifar.
O Ministério do Amor era o mais temível. Nele não havia nenhuma janela. Winston nunca tinha estado lá dentro, nem a meio quilômetro de distância. Era um lugar de acesso impossível, a não ser em compromissos oficiais, e ainda assim só se entrava após atravessar um labirinto de arame farpado emaranhado, portas de aço e nichos com metralhadoras escondidas. Mesmo as ruas que conduziam até suas barreiras externas eram patrulhadas por guardas com cara de gorila em uniformes pretos, armados de cassetetes articulados.
Winston se virou abruptamente. Havia programado seu perfil no modo de exibição otimismo tranquilo, aconselhável quando estivesse de frente para a teletela. Cruzou a sala rumo à cozinha minúscula. Ao sair do Ministério naquele horário, ele havia sacrificado o almoço na cantina, e estava ciente de não haver na cozinha nenhuma comida além de um naco de pão embolorado que precisava ser poupado para o café da manhã seguinte. Tirou do armário uma garrafa de líquido incolor com um rótulo branco, onde se lia GIM VITÓRIA. Exalava um cheiro enjoativo, gorduroso, que lembrava o arroz chinês. Winston encheu um copo com cuidado, preparou-se para o baque e engoliu de uma vez, como uma dose de remédio. (...)
BIBLIOTECA RAIMUNDO COLARES RIBEIRO
Transcrito do livro 1984, de George Orwell, traduzido por Karla Lima, Ciranda Cultural Editora e Distribuidora, Jandira, São Paulo, 2021, páginas 12 e 13.
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